Luzes apagadas numa sala de reuniões da Volkswagen, em São Bernardo do Campo (SP). Engenheiros da empresa assistem, num telão, a um depoimento gravado numa clínica de produto. O consumidor fala bem de seu carro, diz o quanto é macio, silencioso e confortável. O modelo em questão era um Fiat Palio. “Estão vendo? É isso que eu quero ouvir a respeito do Gol!”, diz Thomas Schmall, presidente da VW brasileira. Palavras duras, mas adequadas à importância do momento. O carro dessa página tem a obrigação de honrar o nome de maior sucesso do mercado brasileiro. Um carro que emplacou 4766252 unidades desde o lançamento, em julho de 1980, e que mês a mês vem batendo recordes de venda.
O novo Gol chega às ruas em três modelos: 1.0 (29000 reais), 1.6 (31000 reais) e 1.6 Power (35000 reais). A se confirmarem esses valores – são estimados, a fábrica não divulgou –, ele ficará acima do Gol Geração 4 (que continua em linha como versão de entrada, de duas portas) e lado a lado com as versões mais simples do Fox. O novo modelo tem a missão de ampliar o sucesso do Gol e encurralar o Fiat Palio. Parece muito? Mas tem mais. O novo Gol tem o papel de definir qual Volkswagen vai prevalecer no futuro: a que fabrica Polo hatch e Polo Sedan (que ocuparam a sexta e a sétima posições em satisfação, na última pesquisa Os Eleitos) ou a que faz Saveiro, Parati, Fox e Gol (31º, 32º, 34º e 35º colocados, num total de 35 modelos). A receita parece fácil: transferir para o novo Gol as qualidades do Polo. Foi mais ou menos o que a empresa decidiu fazer.
Pequena revolução
As portas do novo Gol têm espaçamento de 3,5 milímetros, contra 5 mm do Geração 4. Isso quer dizer que, quando as cerca de 5000 peças do carro se encontrarem (formando uma carroceria com 3899 milímetros de comprimento por 1656 de largura e 1464 de altura), as portas terão que guardar os tais 3,5 milímetros de distância em relação aos pára-lamas. Quanto menor é essa margem, mais exato precisa ser o ferramental que dobra as chapas de aço e monta o carro, e menos poderão deformar as peças de plástico ou folgar os parafusos. Com 3,5 milímetros, o novo Gol iguala-se ao Golf europeu e fica 0,2 milímetro atrás do Phaeton. Esses números indicam um padrão de qualidade bem mais rigoroso e um produto melhor, mais caprichado e resistente. Para conseguir essa milimétrica revolução, a Volkswagen está investindo em ferramentas e treinamento quase 1 bilhão de reais. Aliás, vamos parar de chamar de “novo Gol”. Ele é o Gol, o outro que recorra ao sobrenome para se diferenciar. Mas o que é um Gol?
Livres da obrigação de retocar mais uma vez a carroceria do Gol Bolinha (de 1994), o departamento de estilo da Volkswagen buscou inspiração no modelo de 1980. Ele estava no radar bem antes de começar o projeto do novo carro, em 2004. “O ‘Geração 1’ nunca saiu do nosso estúdio, temos uma maquete dele”, diz Gerson Barone, que entrou na empresa como estagiário para trabalhar no projeto do Gol, em 1978, e hoje é o gerente de design. “Em concursos de tuning ou exercícios em geral, a garotada que trabalha conosco vive rabiscando esse carro.” Das centenas de rascunhos, 12 alternativas viraram maquetes pequenas e três foram reproduzidas em tamanho natural. Com a proposta amadurecida, começaram as viagens ao “Brazilian Corner”, o cantinho verde-amarelo no departamento de design na sede da montadora, em Wolfsburg, Alemanha. É lá que o futuro acontece, para todas as marcas do grupo.
O novo carro busca poucas referências no Geração 4. O nome no porta-malas usa letras parecidas, mas em itálico, e os difusores de ar no painel são iguais. É só. O capô envolvente veio do Tiguan. Mas o efeito é diferente, porque o jipinho tem frente alta, e isso lhe dá uma cara mais quadrada. Em nosso pequeno hatchback, a faixa formada por grade e faróis é estreita e reta. Eu não achei tão bonito, mas meus colegas de redação gostaram muito. Dependendo do ângulo, lembra o primeiro Celta. Se o Gol não parece um típico Volkswagen, é em parte por causa do pioneirismo. Os outros carros da marca é que ainda não se parecem com ele.
E, como no mundo da moda as tendências vão e vêm, certos traços do novo padrão visual da Volkswagen ajudaram a construir o caminho de volta para o Gol de 1980. É o caso das lanternas traseiras quadradas. “Elas ainda não foram lançadas em outros carros nossos, mas a Jetta Variant e o Scirocco apontam para esse caminho”, diz Barone. Do Passat CC veio o vinco lateral que, de certa forma, lembra a “linha de caráter” do Gol original. Para manter limpa a área entre esse friso e as janelas, quem diria, o estilo venceu a praticidade. A “orelha” da tampinha de combustível foi deslocada para o alto e as maçanetas ficaram um tanto baixas (as dianteiras, a 81 centímetros do chão). “Tentamos integrar a maçaneta ao vinco, mas não ficou bom. Aí descemos ao máximo que os padrões de conforto da marca permitiam.”
Mas ainda chegaria a vez de a engenharia interferir no trabalho do design. Seis visitas ao túnel de vento em Wolfsburg levaram a mudanças invisíveis, e assim o protótipo em tamanho real baixou seu coeficiente de penetração aerodinâmica de 0,37 para 0,34 – melhor que o 0,35 do Polo, o 0,36 do Gol Geração 4 e o 0,40 do primeiro Gol. “Ganhamos muito ao tapar as entradas de ar”, diz o gerente-executivo de engenharia, José Luiz Loureiro. Quase toda a metade de cima da grade do motor é falsa, bem como as beiradas da tomada que existe no pára-choque. E os retrovisores tornaram-se uma homenagem explícita aos BMW Série 7. “As leis da aerodinâmica são iguais para todos, às vezes você vai buscando e chega aos mesmos lugares...”, diz Barone. Nesse trabalho de afinação, minúsculos pára-barros nas caixas de roda renderam um ganho de 0,002. O Cx mais baixo é sinônimo de melhor desempenho, menor consumo e menos ruído, ao rodar na estrada.
Canivete na mesa
O revestimento de plástico no interior dos pára-lamas não está ali apenas para desviar o vento. Ele protege a lataria dos pedriscos levantados pelas rodas. E, por baixo do pára-choque dianteiro, dois dutos encaminham o ar para aletas de plástico presas no cubo das rodas, a fim de refrescar os discos de freio. São caprichos que o Gol tem de série desde o modelo básico. Outras vaidades são as portas dianteiras com três posições de parada, úteis na hora de abrir o carro numa ladeira, e a chave em forma de canivete, que faz bem ao ego. “Ela é um troféu que o motorista põe em cima da mesa. Vem de série no pacote Trend e na versão Power, mesmo em carros sem trava elétrica”, diz Fabrício Biondo, gerente executivo de marketing.
O Gol passa a fazer parte da família PQ24, como Polo e Fox (veja quadro na pág. XX). Os três compartilham os motores flex 1.0 e 1.6, além da estrutura invisível. Mas, para baixar custos, o novo modelo abriu mão da tecnologia de solda a laser, capaz de criar chapas de espessura variável. Mesmo sem elas, a Volkswagen garante que o novo Gol é firmeza. “Ele está no nível do Polo em rigidez dinâmica e um pouquinho abaixo em rigidez estática”, afirma Antonio Carnielli, gerente de desenvolvimento de carroceria. Em bom português, rigidez dinâmica quer dizer que o carro torce menos nas curvas (fica mais na mão), e rigidez estática quer dizer que ele não fica rangendo ao passar por quebra-molas ou rampas de garagem. Tanto um quanto outro se perdem com o tempo, conforme a estrutura do carro deforma e os pontos de solda enfraquecem. Mas Carnielli afirma que, mesmo depois de dez anos de uso, o novo Gol continuará mais firme que um Geração 4 zero-quilômetro.
Para ter rigidez estrutural comparável à do Polo sem lançar mão da solda a laser, o Gol precisa recorrer a outras estratégias. Um deles foi “fechar a gaiola”. O porta-malas tem boca pequena e alta, como num Citroën C3. O espaço para bagagem é bom (285 litros), mas não é tão fácil pôr e tirar as malas. Outra estratégia foi adotar uma suspensão dianteira menos sensível às torções da carroceria. Ela vem da plataforma PQ25, usada pelo novo Seat Ibiza e que estará no futuro Audi A1. Do Gol Geração 4 veio o eixo traseiro, mas esse sinal de velhice não compromete. Feitas as apresentações, vamos ver como o novo Gol anda de verdade.
Como não podíamos dirigir o carro em lugares abertos (na época do teste, ele ainda era segredo), fomos para o circuito D1 do campo de provas da General Motors – 4,6 quilômetros com o que há de pior nas nossas ruas. Também na pista, uma S10 cabine dupla andava rápido, indiferente à buraqueira. Resolvi ir atrás: o que a picape fizer, o Gol vai fazer também. Paralelepípedos, lombadas, trilhos de trem e asfalto num relevo conhecido como “couro de jacaré”. Fomos naquela perseguição masoquista, até o piloto da fábrica desistir humilhado – ou dobrado pela fome, era hora do almoço. Tranco? Não senti. Ruídos? Ouvi um rumor um tanto alto – mas abafado – ao passar pelos paralelepípedos e o bagagito pulando sobre o porta-malas. Só um pouco. Para ver quanto o carro é equilibrado, botei a roda em cima da faixa no meio da pista e resolvi fazer as curvas sem corrigir o rumo, deixando o carro livre para espalhar por causa dos buracos. Sabe o que aconteceu? Quase nada.
O motor EA-111 1.0 é o mesmo do Geração 4 (agora na posição transversal), mas a versão 1.6 trocou o motor AP600 pelo EA-111 (mais evoluído) de Golf, Polo e Fox. E, a fim de ganhar elogios dos consumidores em futuras clínicas de produto, os engenheiros da Volkswagen puseram coxins de motor feitos de alumínio. As vibrações do antigo Gol, que faziam lembrar um carro a diesel, ficam no passado – aliás, na Parati e na Saveiro, que não mudam tão cedo. No teste de Limeira, o Gol 1.6 foi muito bem nas medições de nível de ruído. Alô, presidente Schmall: foi bem melhor que o Palio 1.4.
O prazer da juventude
O novo modelo resgata todos os valores que faziam o Gol dos anos 80 ser um carro gostoso de dirigir (valores que você não encontra no Geração 4, cuja frente abana para cima a cada saída de sinal). A suspensão é justinha sem ser dura, tão boa quanto a do Polo e talvez melhor que a do Fiesta. O novo câmbio é uma delícia, de engates certeiros e facílimos, uma homenagem ao Gol pioneiro. É a caixa MQ200, emprestada do Polo, com as mesmas relações de marcha. São relações curtas, que deixam o carro sempre disposto para ultrapassar.
Os números de retomada conseguidos na pista de Limeira foram melhores que os de rivais como Sandero 1.6 16V, Corsa 1.4 e Fiesta 1.6. O Gol 1.6 andou e gastou como o Fiesta, que é uma boa referência desse mercado. Entre as versões 1.0, o Gol anda rápido mas não é exatamente econômico. Bebe mais que a versão 1.6.
O acabamento interno do Fox leva um banho dos dois carros que levamos para esse teste inicial – um modelo 1.6 Power e outro 1.0, equipado com o pacote Trend. O Gol é um carro simples? É. O forro do teto é de material barato e o ajuste de altura do banco exige que o motorista puxe a alavanca, levante o corpo e trave de novo. Olhando com atenção, você verá um contorno redondo em baixo relevo nos painéis de porta, preparação para a manivela de abrir a janela. Não espere pelas superfícies emborrachadas presentes no Polo nem por molduras nas soleiras de porta, mas, de resto, o Gol é surpreendente. Apesar de usar plástico simples, o painel é resistente a riscos e tem bom aspecto. A gravação da textura nos moldes da peça foi feita em quatro etapas – mesma técnica usada no painel do Honda Civic.
Os botões giratórios do ar-condicionado transmitem uma sensação de qualidade inédita num carro fabricado no Brasil: são bem definidos nos pontos de parada e macios nas transições. Para completar, esses botões (e os trincos das portas) são da cor Moon Silver, uma tinta que lembra alumínio maciço. “Ela foi desenvolvida pela Audi e está no esportivo R8”, diz Barone. Ao girar a chave, você nem vai perceber, mas o sistema de transponder da chave é igual ao do Lamborghini Gallardo (veja quadro na pág. XX). Se o Gol é uma referência para os concorrentes, o acabamento dos carros brasileiros vai melhorar nos próximos anos. Tudo dentro dele é, pelo menos, honesto. E, em vários casos, muito bom.
E, dentro como fora, a margem de tolerância para os encaixes do Gol evoluiu um bocado: de 1,2 milímetro, do Geração 4, para 0,5 – tanto quanto o futuro Golf europeu e melhor que o Polo (0,6). Para atender à norma internacional da Volkswagen, todas as versões do Gol passam a oferecer freios ABS e airbag duplo como opcional. Em nome dessa nobre causa, o porta-luvas encolheu (tem 4,2 litros de capacidade). Os porta-mapas nas portas são pequenos e os demais porta-trecos, apenas razoáveis.
Esqueça o volante torto que caracteriza o Gol desde 1980, ou o pequeno quadro de instrumentos emprestado do Fox. Velocímetro e conta-giros são dois mostradores separados, com aros vistosos e grafismo classudo, parecido com o do Polo. Termômetro do motor e marcador de combustível são analógicos, de fácil leitura. E no meio de todos os relógios vem uma tela digital de boa resolução, que serve ao computador de bordo (opcional). Além de calcular consumo e autonomia, o I-System permite configurar confortos (como baixar ou não dois dedos da janela, para facilitar o fechamento das portas) e programar alertas de quilometragem para troca de óleo, revisão etc. Também no rol dos opcionais, o rádio tem entrada USB para iPod ou pendrive e entrada para cartões de memória SD (usados em câmeras digitais), que podem gravar mensagens de voz vindas de celulares Bluetooth. Com o tweeter no pé da coluna do pára-brisa, o som vem limpo e há clara separação espacial dos instrumentos.
Difícil vai ser evitar a briga entre irmãos, dentro da Volkswagen. Polo e Fox são modernos, mas se diferenciam pelo formato. Polo e Gol Geração 4 têm mesmo formato, mas pertencem a épocas diferentes. Já o novo Gol é parecido com o Polo em modernidade e tamanho (é 2 centímetros mais curto, 1 centímetro mais largo e 4 centímetros mais baixo, com igual entreeixos). O Polo tem a seu favor o requinte de acabamento, a construção sofisticada e mimos como retrovisor direito que mostra o meio-fio, em manobras de estacionamento. O Gol tem o charme da novidade, usa o mesmo motor e é superior em itens importantes como suspensão, sistemas antifurto e prazos de revisão mais espaçados. A Volkswagen sabe que o novo Gol irá roubar vendas dentro de casa, e está preocupada com isso. Mas quem deve se preocupar mesmo são as outras montadoras.
Manutenção
Os orifícios indicam se o disco de freio está em meia vida ou em hora de trocar, e assim o motorista ganha um argumento para resistir à empurroterapia das oficinas. “O ‘Visual Check’ é uma idéia antiga, que sempre esbarrou no desafio de controlar ruído e desgaste da pastilha”, diz Kai Hohmann, gerente de desenvolvimento de veículos. O prazo de garantia do novo Gol manteve-se em um ano (o Sandero tem três), mas o prazo de revisão passou de 10000 para 15000 quilômetros. É fácil fazer a manutenção básica. Os reservatórios no cofre do motor têm marcações claras, impressas no plástico com tinta preta. Apenas a caixa do filtro de ar, fechada com parafusos, dá trabalho. Mas falta uma luz de alerta no painel, para quando a gasolina da partida a frio acabar.
Seguro
O novo Gol (e a linha 2009 do Geração 4) estréiam aqui o Immo4, imobilizador usado por carros como o Audi A8. A unidade de identificação é integrada ao painel (dificultando a remoção) e o diálogo entre ela e a central do motor passa por cinco filtros criptográficos. “Central de injeção, chave e quadro de instrumentos são codificados na linha de montagem e a senha fica num servidor na Alemanha”, diz Alexandre Navarro, supervisor de sistemas eletrônicos. Para evitar arrombamentos, o Gol adotou fechadura com miolo que gira em falso ao encontrar uma chave indevida. No teste de colisão do Cesvi, o Gol teve índice de reparabilidade 13 – pior que Fox (10), igual a Ka, Sandero e Polo e melhor que Celta (15), Corsa (16) e novo Palio (23). E, por falar em outro seguro – o de vida –, o Gol volta a ter airbag e ABS como opcionais e está de acordo com as normas brasileiras de crash-test que serão adotadas em 2012.
PQ?
A estrutura geral do Gol vem da plataforma PQ24 (de 1999), comum a Polo e Fox. Suspensão dianteira e barra de direção vieram da nova arquitetura da Volkswagen, a PQ25 (de 2007), e a suspensão traseira veio do Gol Geração 4. Agora colocado na transversal, o conjunto motor e câmbio rouba menos espaço. A Volks ganhou margem para rebaixar o capô, mas preferiu não mudar muito – tanto que, veja na ilustração, o antigo motor longitudinal caberia raspando na nova carroceria. A distância entre os eixos é igual à de Polo e Fox, 3 milímetros menor que antes. Mas o espaço para os joelhos no banco de trás aumentou, porque os passageiros estão de pernas mais recolhidas, ao sentarem mais alto. O Polo hatch é ligeiramente mais espaçoso: tem 2 centímetros a mais para os ombros, na frente, e 3 atrás; em espaço para as pernas, atrás, ganha por 5 centímetros.
Avaliação
GOL POWER 1.6
GOL 1.0 TREND