O Civic Si não é tão divertido no autódromo de Interlagos. As retas demoram a passar e mesmo as curvas fechadas parecem largas, pouco desafiadoras. Duvido que uma Ferrari F40 seja prazerosa no caminho para o trabalho. Visibilidade ruim, embreagem pesada, dificuldade de esticar a mão pela janela para pegar o tíquete de estacionamento. Carros são bons ou ruins conforme o lugar onde você usa... Mas esse texto não é do Smart? É sim. Já explico. Em março, fiz a pré-estreia do Smart ForTwo. Foram algumas voltas na pista da dona da marca, a Mercedes-Benz. Carrinho prático, mas sem graça: motor bobo, controle de estabilidade superprotetor e direção lenta. Agora, em abril, o Smart chegou à loja (por ora é um único ponto-de-venda, em São Paulo), tem preços (57 900 reais pela versão Coupé e 64 900 reais pela Cabrio) e ficou conosco por uma semana, para usar no dia a dia e fazer o teste completo. O resultado é surpreendente.
O que mudou de uma edição para a outra? O cenário e a convivência. O Smart é tão diferente que precisa de aprendizado.Talvez a lição mais importante tenha a ver com as borboletas de troca de marcha atrás do volante. Do Civic EXS à Ferrari 599 GTB Fiorano, o paddle-shift é mais divertido que necessário. Um câmbio automático moderno é bastante sensível a kick-down e troca marchas na lógica do motorista. Já o câmbio automatizado do Smart foi programado para vencer maratonas de economia de combustível. O motor vive entre 1 800 e 2 200 giros, prestes a bater pino e, a 60 km/h, já está em quinta marcha. Para o consumo, é excelente. Em Limeira, conseguimos 13,3 km/l no ciclo urbano e 16,6 km/l no rodoviário. São números tão bons que, mesmo movido a gasolina, o Smart é competitivo diante de carros flex – em São Paulo, onde a vantagem do álcool é maior, ele gasta menos dinheiro para rodar na cidade que um Gol 1.6 (que faz 7,1 km/l). O problema da obsessão pela economia é que o Smart reage com a lerdeza de um motor pequeno, vazio e com turbo-lag. Andar de ônibus pode ser mais divertido.
Mas basta trocar as marchas por conta própria, no paddle-shift, para o ForTwo mudar da água para o vinho. Nem precisa andar esgoelado, é só deixar o ponteiro do conta-giros entre 2 500 e 3 000. O turbo vence a inércia, o motor enche e, sem sacrificar tanto o consumo, o Smart torna-se um carro de respeito. Em Limeira, acelerou e retomou mais rápido que as versões automáticas de Focus, Golf, Vectra e Civic.
E tem algo que a gente ainda não criou um teste para medir, mas que tem importância cada vez maior: facilidade de estacionar. O Smart cabe em qualquer lugar, de qualquer jeito. Cabe até atravessado, já que o comprimento (2,7 metros) é igual à largura de certas vagas. Só não tente estacionar de frente para a calçada, como fazem na Europa: a lei brasileira não permite. A distância entre as rodas é tão pequena que o ForTwo consegue dar meia-volta num espaço de 8,8 metros. A vantagem dele em relação a um Citroën C3 (que gira em 10,9 metros) é maior que a do C3 em relação a uma Chevrolet S10 (12,9 metros). O Smart faz curvas tão fechadas que, para estacionar a 90 graus, é preciso andar mais um pouco, antes de virar a direção – ou você acertará o carro que está parado antes da vaga. Quebra-molas? Os maiores ele encara como se fosse rampa: as rodas de trás começam a subir quando as da frente ainda não desceram.
O tamanho do Smart ajuda no teste de baliza, mas cria um desafio à estabilidade. Para o carro não tombar, a direção é bastante indireta (o que evita guinadas repentinas) e a suspensão é dura (ótima no asfalto liso, mas desconfortável em ruas esburacadas). O controle de estabilidade é absolutamente careta: toma as rédeas do acelerador ao primeiro sinal de perigo e só devolve segundos depois. Isso tira o prazer em curvas fechadas, mas o Smart é tão pequeno que o conceito de curva fechada também muda. As ruas parecem avenidas e as avenidas parecem estradas. Um exemplo dessa mobilidade é o teste de slalom feito pela revista americana Road & Track. O Smart cumpriu a prova a 97 km/h – bem perto dos 99 km/h conseguidos pelo atual Dodge Charger R/T, um esportivão de 340 cv que chega aos 100 km/h em 6 segundos. O dono de um Golzinho tunado gostou tanto da esticada que eu dei, para mudar de faixa na avenida Francisco Morato, que me seguiu até encontrar um sinal fechado: “Aí, grande, esse carro é 2 litros?” Não, é 1.0 mesmo. Tem só 84 cv, mas pesa pouco, é curtinho... “Da hora, meu.”
Cão engarrafado
Se a ideia é conhecer gente, o Smart parece melhor que comprar um cachorro. Não dorme em cima da cama e é ele que leva para passear, não o contrário. Já que a demora no trânsito é inevitável, ao menos você ganha um passatempo. As pessoas tiram fotos, puxam assunto e sorriem. Dirigir torna-se menos estressante (há espaço para as motos passarem) e os motoristas ao redor ficam mais simpáticos.
As mulheres a-do-ram: num engarrafamento do corredor Norte-Sul, a dona de um Fox se esticou para fora da janela e quase derrubou um motoboy: “Me vende que eu compro!” Mas você nem sabe o preço... “Não importa, eu quero!” Na sessão de fotos na avenida Paulista, às 7 da manhã, o Smart fez sucesso entre clubbers que estavam saindo das boates – gente com piercing no rosto e cabelo em pé. Mas tamanha aceitação faz lembrar a pergunta do repórter Tom Vanderbilt, que avaliou o ForTwo para a revista Men’s Vogue nos Estados Unidos e também despertou alegria por toda parte: “Será que o Smart é uma espécie de Hello Kitty com rodas?” Ele concluiu que não. Só o tempo dirá se, no Brasil, o carro é visto como maneiro ou fofinho. Mas posso afirmar que ele arrancou elogios de gente que, em vez de tomar mel, prefere mastigar abelha: taxistas, bombeiros e um jornaleiro português para quem eu pedi orientação de rua.
Na garagem da viação Transkuba (onde visitamos o maior ônibus do mundo, com 28 m), os motoristas gostaram do espaço interno. Colunas distantes, posição de dirigir elevada (como num Fox) e a grande área envidraçada dão sensação de liberdade. Dos ajustes de banco por alavanca ao câmbio automatizado, passando pela posição da chave, tudo foi feito para evitar movimentos largos. O porta-malas (220 litros) é maior que o do antigo Ka. Existem truques para ganhar espaço, como baixar o banco do carona, mas nem precisei disso quando fui ao mercado. Fiz compras para um casal, para 15 dias. Coube tudo sem empilhar.
O acabamento interno aposta na beleza do design, em lugar de cromados ou superfícies macias. Mas algumas economias incomodam. Como não há ajuste de altura para banco e cintos de segurança, pessoas mais baixas ficam com a tira roçando o pescoço. Falta tampa no porta-luvas, computador de bordo e rádio com sistema Bluetooth. Entrada de áudio é opcional, assim como porta-copos e porta-óculos. O Smart que chega ao Brasil não sai muito mais caro que na Europa (onde custa 20% menos que o Fit básico, ou o valor de um VW Polo intermediário), mas, aqui, será carro de elite. Não pode parecer incompleto.
A segunda loja Smart no país ficará a uns 5 km da primeira, o que nos faz imaginar que, ao menos agora, o ForTwo será encarado como um carro de bairro. Talvez porque ele não tem estepe (só um líquido veda-furos) e, se o pneu rasgar, será difícil de encontrar outro – as medidas são raras no mercado brasileiro. Enfim, a prudência não recomenda se afastar de casa. Mas vai que bate uma vontade...
Não é a vocação do Smart, mas ele resistiu bem a um passeio na terra, com costelas de vaca e escalada morro acima. Dirigir na estrada é ruim. O carro reluta em andar em linha reta, empurrado pelos deslocamentos de ar criados pelos carros que passam. Ou por aqueles que são ultrapassados: o Smart é um carro maduro, que anda a 100 km/h com motor a 2 900 giros, tão relaxado que dá tranquilidade para pensar.
Casa de praia
Sempre tive carros de cinco lugares, mas devo ter usado o banco de trás umas 50 vezes. É como ter uma casa de praia, pagar manutenção o ano todo e só usar nas férias. Que tal hospedar-se num hotel? Voltando aos carros: em vez de arrastar para todo canto um sedã pronto para qualquer tarefa, não é melhor usar um carro pequeno no dia a dia e alugar outro (minivan nas férias da família, conversível no fim de semana a dois) quando puder aproveitar?
Pena que, no Brasil, a escolha de carros como o Smart será guiada apenas pelo desejo. Na Califórnia, há faixas de circulação exclusivas para carros ecológicos. Na Europa, motores mais poluentes pagam maior imposto. No Japão, veículos são classificados pelo espaço que ocupam. Em São Paulo, a forma de regulação é o rodízio, que proíbe os carros de rodar no horário de pico uma vez por semana. Tamanho? Emissões? Não, o critério é o final da placa. Estimula as pessoas a comprar um segundo carro (certamente em piores condições) com placa diferente. Felizmente o Smart, um carro tão racional, é bom o bastante para ganhar espaço por motivos emocionais: beleza, comodidade e, sim, prazer ao dirigir.
OS RIVAIS
Honda Fit LXL 1.4 aut.
É nacional, flex, espaçoso, prático e bem construído. Por 58 410 reais.
Kia Picanto 1.0 aut.
Menos divertido e equipado que o Smart, é maior e mais barato: 40 900 reais.
DIREÇÃO, FREIO E SUSPENSÃO
O acerto de freios é ótimo. Direção lenta e suspensão dura garantem a estabilidade de um carro tão pequeno.
MOTOR E CÂMBIO
A estratégia de trocas automáticas é muito inteligente: máxima economia para quem não quer se envolver. Quem quiser folia pode usar o paddle-shift – e será muito bem recompensado.
CARROCERIA
Minúsculo por fora, espaçoso por dentro, seguro em testes de colisão e terrivelmente carismático.
VIDA A BORDO
Acabamento prático e de muito bom gosto, e ótimo aproveitamento de espaço. Mas faltam computador de bordo, Bluetooth, entrada para iPod, ajustes de cintos e porta-trecos com tampa.
SEGURANÇA
Quatro airbags e quatro estrelas no crash-test do EuroNCAP. Cercado de controles eletrônicos, o Smart resiste bravamente a tentativas de tirá-lo do prumo.
SEU BOLSO
O preço nem é tão alto, diante do carisma e da construção sofisticada. Mas não é flex, tem possibilidades limitadas de uso. A Mercedes- Benz não divulgou preço de peças ou revisões, mas lembre-se de que manter o Classe A nacional era caro.
VEREDICTO
Tem facilidade de manobrar incomparável, mas nem por isso é um carro apertado (para dois, claro), inseguro ou sem graça. Pelo contrário, destaca-se pelo prazer ao dirigir na cidade. O preço é bom, pelo que o carro traz de status, mas faltam luxos.